Correr ou não correr Búzios? Eis a questão...
Durante alguns dias, essa foi a
pergunta que me fiz, depois de ter sentido uma dor no joelho na maratona de
Salvador no final de agosto. A inscrição para Búzios já tinha sido feita e a
dor permaneceu alguns dias, mexendo não só com meu corpo físico, mas também com
meu corpo emocional. Última semana de
agosto descansando de Salvador, primeira semana de setembro descansando da
dor... E vi os dias se passando e a sensação de que era para eu estar começando
a treinar pesado para Búzios começou a me deixar angustiada. Desisti...
Coloquei minha inscrição à venda. Falei com alguns amigos, anunciei minha
inscrição e esperei.
O coração ficou triste... Búzios
era um sonho... Era para ter sido minha maratona-foco para 2014, mas acabei me
dedicando à de Salvador... Pronto,
oportunidade perdida. Bola pra frente...
Mais uns dias se passaram.
Inscrição para minha primeira ultramaratona na Patagônia realizada e, após uma
conversa com uma moça que fez essa prova ano passado, Búzios voltou a fazer
parte dos meus pensamentos. Ela me disse que seria muito bom se eu passasse por
algumas maratonas trail antes de encarar a Patagônia. Fiquei com isso na cabeça
e a vontade de fazer Búzios voltou com toda força. O joelho estava silencioso
e, numa espécie de coincidência de pensamentos, minha treinadora e eu
resolvemos que eu devia, sim, fazer Búzios: como fosse possível, caminhando
mais do que correndo, se fosse necessário. Era para viver a experiência de uma
prova difícil, era para perder a inocência nas provas duras...
Ainda bem que eu não tinha
conseguido repassar minha inscrição. Começamos, então, a treinar: areia fofa e morros... Foram vários treinos, mas três
deles muito marcantes: as trilhas do Mestre Álvaro, os 30 km de morros e o
último treino longo de morros com areia fofa no final. Esses treinos me deram certa segurança e fui
para Búzios para fazer um treino de luxo para a Patagônia...
XC Run Búzios é uma prova muito
falada e respeitada. Conhecida como uma das mais difíceis da modalidade. Fui
com medo, mas fui. Fui sabendo de minhas limitações, mas fui. Fui com o coração
repleto de sonhos. Fui para experimentar meus limites físicos e emocionais...
E amanheceu lindo! Um azul
intenso no céu anunciava o dia quente que enfrentaríamos. Acordei ansiosa, uma
mistura de euforia e medo se diluíam na água que enchia minha mochilinha de
hidratação. E lá fui eu encarar os 42 km da Maratona Cross Country de Búzios.
No segundo trecho, começaram as
trilhas e as emoções mais fortes. Os amigos, cada um encontrou seu ritmo, e eu
fui seguindo o ritmo que o corpo permitia e o coração desejava. Sobe trilhas,
desce trilhas e chega à praia. Alguns quilômetros de areia sob um sol que
começava a arder sobre nós e em nós...
Na transição dos 30 km eu pensei:
agora são só mais 10 km... Mas eu não tinha noção do que me aguardava... E o
que me aguardava me colocou à prova em todos os sentidos: físicos e emocionais.
Além de mais trilhas, o que mais marcou esse trecho foi a maré alta e as pedras... Eu, que
tanto medo tenho do mar, encarei a maré alta, na altura dos joelhos, batendo
contra as pedras... Fiz uma parte do trecho com o coração nas mãos, com medo,
pois em alguns lugares não dava para ver onde pisava, só sabia que eu tinha que
alcançar as pedras logo adiante... Dei graças a Deus quando voltei para as
trilhas, achando que a aventura maior tinha passado. Mas, por volta do km 39,
lembro-me da moça que trabalhava como staff apontando para a direita e dizendo:
agora é só seguir pelas pedras... Quando eu virei à direita, cheguei novamente
à praia e avistei as pedras a que ela se referiu. Coração disparou novamente,
era hora de encará-las – escorregadias, cheias de
limo, soltas, perigosas -, exigindo do corpo cansado de quase 40 km percorridos
uma atenção e equilíbrio muito grandes. Na verdade, a atenção exigida era tão
grande que dava até para esquecer o cansaço físico... E lá estava eu,
enfrentando as pedras no caminho... Drummond que me dê licença, mas havia
muitas pedras naquele meu caminho. Hoje penso que cada pedra ultrapassada
representa uma superação vivida. Sabe aqueles obstáculos que a gente vive? As
dores físicas? As dores emocionais? As lesões e os medos? Expurguei todos eles
ali naquelas pedras... Ficaram para trás, embora façam de mim quem eu sou
hoje...
Cada pedra que pisei, cada trilha
que escalei, a maré que enfrentei ajudaram a fortalecer a mudança que vivencio
em relação à corrida. Hoje sou outra
corredora, em busca de outras emoções. Emoções que exigem de mim mais do que um
corpo em velocidade, mas um corpo em equilíbrio físico e mental... As
distâncias nos permitem isso, as trilhas nos permitem isso, as dificuldades, os desafios trail nos permitem isso...
Búzios foi a grande corrida de
minha vida até hoje. Acho que a minha vida de corredora se dividirá em antes e
depois de Búzios. Ali tive a certeza do que quero para mim a partir de agora...
Atravessei a linha de chegada depois de 6 horas e 20 minutos. Cansada e feliz.
Mais feliz do que cansada. Superei minhas expectativas. Superei minhas emoções.
Superei as pedras no caminho.
“Jamais me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas”
Jamais me esquecerei de que na minha vida de
corredora
Teve Búzios no meio do caminho...