MINHAS PRÓXIMAS CORRIDAS

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

CORRER OU NÃO CORRER BÚZIOS? EIS A QUESTÃO...



Correr ou não correr Búzios? Eis a questão...

Durante alguns dias, essa foi a pergunta que me fiz, depois de ter sentido uma dor no joelho na maratona de Salvador no final de agosto. A inscrição para Búzios já tinha sido feita e a dor permaneceu alguns dias, mexendo não só com meu corpo físico, mas também com meu corpo emocional.  Última semana de agosto descansando de Salvador, primeira semana de setembro descansando da dor... E vi os dias se passando e a sensação de que era para eu estar começando a treinar pesado para Búzios começou a me deixar angustiada. Desisti... Coloquei minha inscrição à venda. Falei com alguns amigos, anunciei minha inscrição e esperei.
O coração ficou triste... Búzios era um sonho... Era para ter sido minha maratona-foco para 2014, mas acabei me dedicando à de Salvador...  Pronto, oportunidade perdida. Bola pra frente...

Mais uns dias se passaram. Inscrição para minha primeira ultramaratona na Patagônia realizada e, após uma conversa com uma moça que fez essa prova ano passado, Búzios voltou a fazer parte dos meus pensamentos. Ela me disse que seria muito bom se eu passasse por algumas maratonas trail antes de encarar a Patagônia. Fiquei com isso na cabeça e a vontade de fazer Búzios voltou com toda força. O joelho estava silencioso e, numa espécie de coincidência de pensamentos, minha treinadora e eu resolvemos que eu devia, sim, fazer Búzios: como fosse possível, caminhando mais do que correndo, se fosse necessário. Era para viver a experiência de uma prova difícil, era para perder a inocência nas provas duras...

Ainda bem que eu não tinha conseguido repassar minha inscrição. Começamos, então, a treinar: areia fofa e  morros... Foram vários treinos, mas três deles muito marcantes: as trilhas do Mestre Álvaro, os 30 km de morros e o último treino longo de morros com areia fofa no final.  Esses treinos me deram certa segurança e fui para Búzios para fazer um treino de luxo para a Patagônia...

XC Run Búzios é uma prova muito falada e respeitada. Conhecida como uma das mais difíceis da modalidade. Fui com medo, mas fui. Fui sabendo de minhas limitações, mas fui. Fui com o coração repleto de sonhos. Fui para experimentar meus limites físicos e emocionais...

E amanheceu lindo! Um azul intenso no céu anunciava o dia quente que enfrentaríamos. Acordei ansiosa, uma mistura de euforia e medo se diluíam na água que enchia minha mochilinha de hidratação. E lá fui eu encarar os 42 km da Maratona Cross Country de Búzios.

Comecei com amigos, cada um com sua experiência cravada na pele, nos anos, nas histórias.  Achei a primeira parte da prova – os primeiros 10km – bem chata de fazer. Quase toda por ruas de paralelepípedos, num sobe e desce sem fim. Somente no fim, por volta dos 9 km chegamos a uma praia e, aí, o cenário foi se anunciando cada vez mais lindo.

No segundo trecho, começaram as trilhas e as emoções mais fortes. Os amigos, cada um encontrou seu ritmo, e eu fui seguindo o ritmo que o corpo permitia e o coração desejava. Sobe trilhas, desce trilhas e chega à praia. Alguns quilômetros de areia sob um sol que começava a arder sobre nós e em nós...

Na transição dos 20 km eu me sentia bem e estava prestes a fazer um trecho que eu já conhecia, pois há dois anos fiz a prova em quarteto e percorri a terceira parte da prova. Nela está o morro mais temido, bem no início, um morro que você faz se amparando nas encostas, agarrando nos caules, impulsionando o corpo com as mãos no chão. Mas quando chega ao topo tem uma das vistas mais bonitas de Búzios, com direito a musiquinha ao vivo e tudo. A gente para, curte o visual, tira foto, respira fundo, ouve o berimbau, a capoeira e segue... Hora de descer... Lembro-me de alguns pensamentos enquanto eu me concentrava nas irregularidades do solo que pisava. Um desses pensamentos era que eu estava bem e que ia conseguir concluir a prova bem. Outro foi um momento de agradecimento por estar ali podendo viver aquela experiência... A gente vive tantas emoções enquanto corre, principalmente numa corrida longa em que dá tempo de pensar em tanta coisa...

Na transição dos 30 km eu pensei: agora são só mais 10 km... Mas eu não tinha noção do que me aguardava... E o que me aguardava me colocou à prova em todos os sentidos: físicos e emocionais. Além de mais trilhas, o que mais marcou esse trecho foi a maré alta e as pedras... Eu, que tanto medo tenho do mar, encarei a maré alta, na altura dos joelhos, batendo contra as pedras... Fiz uma parte do trecho com o coração nas mãos, com medo, pois em alguns lugares não dava para ver onde pisava, só sabia que eu tinha que alcançar as pedras logo adiante... Dei graças a Deus quando voltei para as trilhas, achando que a aventura maior tinha passado. Mas, por volta do km 39, lembro-me da moça que trabalhava como staff apontando para a direita e dizendo: agora é só seguir pelas pedras... Quando eu virei à direita, cheguei novamente à praia e avistei as pedras a que ela se referiu. Coração disparou novamente, era hora de encará-las – escorregadias, cheias de limo, soltas, perigosas -, exigindo do corpo cansado de quase 40 km percorridos uma atenção e equilíbrio muito grandes. Na verdade, a atenção exigida era tão grande que dava até para esquecer o cansaço físico... E lá estava eu, enfrentando as pedras no caminho... Drummond que me dê licença, mas havia muitas pedras naquele meu caminho. Hoje penso que cada pedra ultrapassada representa uma superação vivida. Sabe aqueles obstáculos que a gente vive? As dores físicas? As dores emocionais? As lesões e os medos? Expurguei todos eles ali naquelas pedras... Ficaram para trás, embora façam de mim quem eu sou hoje...
 Cada pedra que pisei, cada trilha que escalei, a maré que enfrentei ajudaram a fortalecer a mudança que vivencio em relação à corrida.  Hoje sou outra corredora, em busca de outras emoções. Emoções que exigem de mim mais do que um corpo em velocidade, mas um corpo em equilíbrio físico e mental... As distâncias nos permitem isso, as trilhas nos permitem isso, as dificuldades,  os desafios trail nos permitem isso...


Búzios foi a grande corrida de minha vida até hoje. Acho que a minha vida de corredora se dividirá em antes e depois de Búzios. Ali tive a certeza do que quero para mim a partir de agora... Atravessei a linha de chegada depois de 6 horas e 20 minutos. Cansada e feliz. Mais feliz do  que cansada. Superei minhas expectativas. Superei minhas emoções. Superei as pedras no caminho.




 “Jamais me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas”
Jamais me esquecerei de que na minha vida de corredora
Teve Búzios no meio do caminho...

segunda-feira, 3 de novembro de 2014