Quando comecei a correr, há dois anos e meio,
trotando com dificuldade entre 4 minutos de caminhada
e um de corrida muito leve, não imaginava, nem sequer sonhava,
que chegaria aonde cheguei no domingo, dia 08/07:
Hoje, dia 17/07/2012, faz exatamente um ano que completei minha primeira meia maratona (ASICS Golden Four/BH) e, naquele dia, eu ainda não imaginava que um ano depois eu já teria completado minha primeira maratona. Esta, na verdade, começou a ser sonhada no fim do ano passado e passou a ser buscada com afinco a partir de janeiro, quando fiz a inscrição. Foram meses de empenho, de inseguranças, medos e euforias... Passei por crises emocionais, mudanças de Estado e de emprego, lesão no pé, mas uma única certeza me acompanhava: a gana de conseguir correr 42,195km. Com qual objetivo? O de vencer? Mas vencer o que mesmo?
"Qual foi a sua classificação?" é uma pergunta que tenho ouvido com frequência quando mostro, cheia de orgulho, a medalha que simboliza esta vitória tão subjetiva. Desculpo as pessoas que me fazem essa pergunta, porque elas não sabem o que dizem... Não são corredoras, são daquelas que acham que corredor é louco e que parece não ter mais nada a fazer, quando contamos que fazemos longões que duram mais de 3 horas...
Na verdade, somos mesmo "anormais"!!!! Os que se acham "normais" preferem tecer críticas a saírem de sua zona de conforto entre o trabalho e a casa. São pessoas à beira de um estresse, que dizem não ter tempo para isso que eu faço... Mas o que eu faço? Eu corro, eu sonho, libero endorfina pelo meu corpo, dou a ele sensações de bem-estar e saúde física e psicológica. "Correndo de quem?" - às vezes brincam... "Correndo de quê?" - eu completo. Da obesidade, do sedentarismo, de uma vida sem objetivos, entravada na engrenagem do dia a dia de um mundo capitalista.
Ainda bem que eu e muitos outros ousamos ser "anormais" e estabelecemos o dia 08/07/2012 como data para realizar um grande sonho. E fomos à luta.... Foram treinos e mais treinos: longos, tiros, intervalados... e mais longos e outros longos.... Pareciam intermináveis: faziam doer o corpo, colocavam o psicológico à prova... Mas a cada quilômetro que era acrescentado, a possibilidade da realização do sonho se aproximava e nos tornávamos menos inseguros...
E após falar tanto sobre a maratona no facebook, de ter criado o blog, motivada pela realização deste sonho, eis que o grande final de semana chegou.... Encontro, na véspera, com amigos corredores. Alguns com o mesmo sonho da primeira maratona; outros, experientes, compartilhando suas vivências... E o domingo amanhece chuvoso, frio, tempo entristecido... Madrugamos para chegar à largada... Os corredores vão se juntando e, por mais frio que fizesse, o clima foi se esquentando entre nós... Conhecidos que chegavam, amigos que se abraçavam... E um longo caminho a ser percorrido...
"... finalmente. Imaginei este dia durante todas as vezes em que tive esperança: (...). Tinha esperança, imaginava este dia e acreditava que não iria ter medo; repetia mil vezes para dentro de mim próprio: não irei ter medo, não irei ter medo: e via com nitidez, claramente, este instante, estes rostos. E acredito que todos os instantes em que imaginei este dia, juntos, somados, são mais longos do que este dia, mas acredito também que este momento, agora, é mais profundo, é um poço infinito e, se eu mergulhasse neste agora, demoraria a minha vida inteira a cair no seu tamanho..." (Cemitério de pianos, p.89).
É dada a largada....
"Afasto-me cada vez mais e sei que, daqui a quarenta quilômetros, regressarei. Afasto-me e aproximo-me. Quarenta quilômetros separam-me de estar aqui a ser outra pessoa. E quarenta quilômetros poderão ser toda a minha vida. Todo o tempo desde o momento em que nasci até ao momento em que morrerei dentro de um único momento que poderá ser quarenta quilômetros. O tempo não saberá de mim. Serei outro. Desconhecerei a distância do tempo" (Cemitério de pianos, p. 94-95).
Eu tive o privilégio de estar sempre acompanhada por amigos... Cada um vencendo suas barreiras, mas todos com um objetivo em comum... Os quilômetros foram sendo "derrubados", como gritava meu amigo Sérgio Gonçalves, cada vez que passávamos por uma placa indicando a quilometragem... As passadas foram sendo dadas... E chovia e ventava... E chovia e ventava....
"... o som do vento a passar-me pelas orelhas, como o rugido do universo. Talvez como o som de passar por dentro do tempo, de atravessá-lo com o corpo inteiro: os braços e as pernas a atravessarem o tempo, o peito a atravessar o tempo e o rosto a levar toda a eternidade dentro de si" (Cemitério de pianos, p.136).
E eu vencia uma maratona paralela - a que se passava em minha mente enquanto corria... Segurava-me para que minhas lágrimas não se misturassem com as gotas de chuva... pelo menos não no início da prova, já que, no final, sabia que seriam inevitáveis... E quando as dores começaram a aparecer, na casa dos 30km, foi esta maratona interior que me sustentou, pois as lembranças de tudo o que havia sido feito para chegar até ali, de todos os momentos de expectativa, de euforia, de superação, diziam-me que eu não podia desistir... A lembrança dos treinos e das superações diárias:
"Mas, quando ia treinar, passava pelas ruas a correr e ninguém podia imaginar o mundo de palavras que levava comigo. Correr é estar absolutamente sozinho. Sei desde o início: na solidão, é-me impossível fugir de mim próprio. Logo após as primeiras passadas, levantaram-se muros negros à minha volta. Inofensivo, o mundo afasta-se. Enquanto corro, fico parado dentro de mim e espero. Fico finalmente à minha própria mercê. (...) Foi então que aprendi a correr contra as palavras dentro de mim, da mesma maneira que aprendi a correr contra o vento" (Cemitério de pianos, p. 129-130).
Eu sabia que, como a maioria daquelas corredores que passavam por mim, ou pelos quais eu passava, eu precisava encarar a dor e o cansaço e seguir em frente.... Eu sentia que só não cruzaria a chegada se algo muito sério acontecesse com meu corpo para me impedir...
"... os corredores à minha volta (...). Têm nomes e têm infâncias. Sem voltar o rosto diretamente para eles, vejo seus vultos embaciados nas margens do olhar. Nessa mistura de manchas de cor, distingo que também eles não olham para ninguém. Assim como corremos nas ruas (...), corremos dentro de nós. Na meta, a distância e o peso desta maratona interior serão tão importantes como os quilômetrso destas ruas (...). Enquanto levanto o pé para dar uma passada, o outro pé segura-se ao chão. Se o mundo parasse no instante em que tenho um pé levantado, a avançar, e outro pé assente no chão, poderiam crescer raízes a partir desse pé firme que me segura. Essas raízes poderiam entrenhar-se pelos intervalos de terra das pedras da rua, mas eu não deixo que o mundo pare. Depois de uma passada, outra, outra..." (Cemitério de pianos, p. 144-145).
E os quilômetros foram se somando.... Próximos do km 39, uma injeção de ânimo para o organismo e para o psicológico: avistei uma amiga, alguém que acompanhou toda minha metamorfose - desde minha quase obesidade até hoje - e que, portanto, sabe do significado daquela loucura que eu encarava... Ayeska Lovisi e um pedaço de rapadura... Brinquei com ela, por várias vezes às vésperas da corrida, pedindo-lhe que me levasse um pedaço de rapadura, já que ela estaria lá dando suporte para uma aluna que também faria a maratona pela primeira vez... E não é que a rapadura estava lá? Quando a gritei, num momento em que meu corpo pedia para eu parar de correr, e ela veio toda festiva com o pedaço de rapadura, foi emocionante... Não foi apenas o açúcar da rapadura que me injetou forças para acabar a corrida... Foi o encontro... Como costumo dizer, apesar de cada corredor ter seus objetivos particulares, apesar de cada um ter que vencer sua corrida subjetiva, os encontros, as amizades e as afinidades são o melhor da festa... A partir dali, foi só emoção: 40km... e chovia e ventava... 41km... e chovia e ventava... e havia um nó na garganta... 42km... e chovia e ventava... e, enfim, não contive mais minhas emoções...eu chorava... Os 195m restantes foram percorridos com o coração, com a emoção, com uma sensação que não dá para descrever... Somente quem sonhou, treinou, doou-se de verdade, sentiu medos e dores é capaz de entender essa sensação... E eu atravessei a linha de chegada...
E havia água fria pelo chão e pelo corpo, e gotas de água quente escorrendo pelo rosto...
Não posso terminar este texto sobre a maratona sem falar de algumas pessoas em especial. Começo pela importância de Gedair Reis na minha preparação para esta "insanidade". Alguém que esteve presente, em grande parte do tempo virtualmente, incentivando-me, trocando comigo sua experiência de maratonista, ouvindo-me as queixas, os medos, as inseguranças... Tornamo-nos amigos, cúmplices, companheiros de dores e de sonhos... Esteve ao meu lado km a km, fotografou toda a corrida, fez da minha primeira maratona e da maratona de retorno dele, após a cirurgia no joelho, a NOSSA maratona... Nada no mundo me fará esquecer tudo o que você fez e faz por mim, Gedair!!! Perdoe-me as intransigências de uma alma feminina...
Minha amiga Kátia Cristina: ontem a Yvone Berg deixou um comentário em uma foto minha no facebook e hoje faço das palavras dela as minhas para você: "Tiro o chapéu e ainda ajoelho para aplaudir". Eu sei o quanto de superação física e emocional você teve que enfrentar para concluir esta maratona. Foi muito mais do que as bolhas nos pés e as lágrimas misturadas aos pingos de chuva... Se todos que ultrapassaram aquela linha de chegada são dignos de ser chamados de maratonistas, você então, minha amiga, é muito mais merecedora disso. Parabéns!!! Parabéns!!! Parabéns!!! Orgulho-me muito de ser sua amiga!!!!
Gleice Medeiros, sua linda: você entrou na minha vida numa brincadeira de troca de mensagens pelo facebook no início deste ano. E quem diria que viraria uma amizade como virou? Fotógrafa, corredora, menina, mulher, mãe, amiga... Uma Donna Moça de suor e poesia: suor transpirado nas maratonas diárias que enfrenta; poesia flagrada pelo olhar diferenciado que a vida lhe deu e a profissão apenas aguçou... Obrigada pelo apoio emocional, pelas acolhidas e por enfrentar a barreira de segurança da maratona para me dar aquele abraço tão caloroso!!!
Sérgio Gonçalves: alguém que foi chegando de mansinho, comentando uma foto aqui, outra ali... Sonhando o mesmo sonho... Lutando para vencer batalhas semelhantes... Confidente... Dirigiu uma campanha: "Diga não ao dramim, viaje de avião.", fazendo-me ver o mundo por outro ângulo bem diferente...rsrs... Obrigada pela força!!! Foi um prazer imenso correr a maratona quase toda a seu lado... E aquele cobertozinho no final? Dispensa comentários...
Foram muitas as pessoas que acompanharam meu sonho e estiveram comigo em alguns momentos virtuais e reais. Cada um sabe de sua participação... Agradeço a todos a torcida, o apoio, as palavras trocadas... Dou meus parabéns a todos os que concluíram esta maratona: pela primeira ou pela enésima vez. De fato, 42km não são para qualquer um, mas, para aqueles que transpiram SUOR E POESIA, com certeza são!!!!
Houve um sonho, várias renúncias, muita dedicação e, enfim, a realização...
"Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para me deter, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz (...). Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer..." (Cemitério de pianos, p. 205).
Referência completa do livro de onde as citações foram retiradas: PEIXOTO, José Luís. Cemitério de pianos. Rio de Janeiro: Record, 2008.